por Dr. Paulo Rodrigues
Epidemiologia da Bexiga Hiperativa
Muitas mulheres queixam-se de que comparadas à outras pessoas próximas apresentam frequência da micção aumentada.
Algumas outras têm a frequência miccional de tal forma aumentada, que percebem que interferem nas suas atividades pessoais ou do dia-a-dia.
Frequentemente, esta queixa de aumento da frequência miccional, estende-se também para o período noturno (noctúria) e também pode interferir na extensão e qualidade do sono.
Estes sintomas acima descritos; refletem a percepção aumentada das contrações da musculatura da bexiga, enquanto esta se enche de urina.
Entretanto, se estes “espasmos” na musculatura vesical forem muito intensos ou rápidos, pode haver uma percepção da necessidade preemente de urinar, chamada por isto mesmo de urgência miccional.
Algumas vezes, a contração da musculatura atinge tal amplitude, que causa saída involuntária de urina, chamando-se assim de urge-incontinência.
Estima-se que muitas pessoas apresentem sintomas urinários, mas uma grande maioria apresentam-no com intensidade moderada – portanto não interferem em suas vida diária; enquanto em outras, os sintomas podem ser intensos e regularmente presentes, causando desconforto, e exigindo que as pessoas afetadas por eles, tenham que driblar os sintomas ou adaptarem-se a eles, para viverem.
Num estudo realizado na Suécia, Itália, Alemanha e Canadá em 2005, com 19.165 adultos, verificou-se que 64% das pessoas relatavam que volta e meia tinham sintomas urinários caracterizados como intensa necessidade para urinar, mas que a maioria apresentavam-no de maneira transitória (1 ou 2 dias), melhorando espontaneamente.
Entretanto, 1.434 pessoas (11,8%) relataram que acordavam e apresentavam aumento da frequência miccional de maneira persistente e regular, de modo a interferir e incomodar suas vidas, exigindo que alterassem as rotinas de suas vidas para poderem conviver com os sintomas.
Nos Estados Unidos, este estudo foi reproduzido através de entrevistas por telefone, constatando-se que de 5.204 adultos 16,9% das mulheres e 16% dos homens, relataram que se sentiam incomodados com os sintomas de aumento da frequência miccional e/ou acordar á noite para urinar (noctúria). Tomada a população dos Estados Unidos, isto equivaleria a dizer que 33.000.000 de pessoas sofrem com problemas urinários.
Esta queixa era tão mais marcante, quanto maior fosse a idade.
Digno de nota, enquanto muitas mulheres se queixavam do aumento da frequência urinária, 12% das mulheres com menos de 60 anos, relataram que ao sentirem necessidade de urinar, não tinham tempo hábil para chegarem ao banheiro, antes de se molharem, enquanto 20% das mulheres com mais de 65 anos, molhavam-se antes de chegarem ao banheiro.
Uma das revelações mais notáveis desta condição, captadas por outro estudo, foi obtido por Dmochowski (2002), que observou que o aumento da frequência miccional diminuia a estima pessoal, a intensidade das relações familiares, as atividades sociais das pacientes e a percepção do nível de saúde vivenciado pela pessoa afetada por problemas urinários. Mas mais impressionante, foi verificar que mesmo quando diagnosticadas, as mulheres demoraram mais de 1 ano para solicitarem aos seus médicos, algum tipo de tratamento.
Como Diagnosticar
Muitas vezes, a história clínica já é ilustrativa por si, e demonstra claramente que o aumento da frequência miccional está presente e afeta a vida pessoal da paciente.
Entretanto, muitas mulheres não conseguem precisar o número de vezes que urinam ou acordam, sendo necessário a utilização de exames médicos mais sofisticados, que permitam medir o tamanho e o voulme da bexiga de maneira mais precisa.
A carta miccional obtida durante 24 h pode ser um instrumento importante de mensuração da frequência e volume de produção de urina em 24 h.
Mas algumas vezes, somente exames auxiliares, tal como o estudo urodinâmico, ultrassonografia e/ou uretrocistografia permitem avaliar adequadamente as funções da bexiga.
Tratamentos com Remédios
Uma série de medicações foram desenvolvidas nos últimos anos para o tratamento da Bexiga Hiperativa.
Embora todas elas tenham características anti-colinérgicas – bloqueadoras dos receptores colinérgicos, responsáveis pela transmissão dos impulsos nervosos dos nervos parassimpáticos; observa-se que o resultado para controle dos sintomas urinários não é excelente ou total; exigindo muitas vezes troca ou experimentação de outras drogas; com o intuito de controlar os sintomas urinários.
Se a falha com o tratamento medicamentoso contribui para que muitas pacientes abandonem o tratamento, também seus eventuais efeitos colaterais (boca seca, tontura ou obstipação), podem contribuir para que as pacientes deixem de tomá-los.
Gopal relatou que dentre as 49.400 mulheres estudadas, que passaram a tratar os sintomas de Bexiga Hiperativa com medicamentos; a grande maioria tomava o medicamento por cerca de 5 meses, abandonando-os, sobretudo se a resposta clínica era desapontadora.
Pacientes que apresentam resposta clínica desanimadora, ou não respondem, mesmo após a troca da medicação, devem ter seus diagnósticos aprofundados, através dos exames citados anteriormente, com a finalidade de melhor esclarecer as causas da falha, ou mesmo se há concomitância de outros diagnósticos, que possam interferir nas respostas medicamentosas, como por exemplo as disfunções miccionais.
Viver com Bexiga Hiperativa – Qualidade de Vida
Mulheres acometidas com aumento da frequência miccional, urgência para urinar ou noctúria (levantar à noite para urinar) apresentam uma perda da qualidade de vida marcante, afetando as esferas pessoais e sociais.
No estudo de Milson (Milsom I et cols. How widespread are the symptoms of an overactive bladder and how are they managed? A population-based prevalence study Br J Urol Int 87:760, 2001) a reclamação mais comum entre as mulheres foi a de micções repetidas e frequentes, afetando adversamente a qualidade de vida de 65% das mulheres entrevistadas.
Enquanto muitas mulheres com incontinência urinária conseguem driblar as perdas de urina, as pacientes com Bexiga Hiperativa têm mais dificuldade, pois têm que lidar com a vontade frequente de urinar diariamente, e muitas vezes no dia.
Utilizam para isto processos de defesa que incluem tomar menos líquido, limitar as atividades físicas, deixar de irem a festas ou encontros, e estarem constantemente alertas para os locais onde há banheiros, aumentando seu nível de estresse e planejamento.
Outras consequências frequentemente relacionadas à Bexiga Hiperativa; tais como Infecções Urinárias, perdas involuntárias de urina, mal-odor, e embaraço pessoal, podem representar um falso pano de fundo da presença da Bexiga Hiperativa, e motivar tratamentos sem sucesso por longos períodos de tempo.
Diferenças quanto ao Sexo
Mulheres são 2X mais frequentemente afetadas por Bexiga Hiperativa do que os homens. Não se sabe a razão para tal desproporção, mas algumas hipóteses, como variações hormonais ou partos, sugerem alterações na bexiga das mulheres.
Obesidade e Bexiga Hiperativa
Igualmente mais frequente, a obesidade promove mais frequência miccional e incontinência urinária.
Enquanto 9 a 16% das mulheres reclamam de aumento da frequência miccional, 20 a 25% das mulheres obesas descrevem as mesmas queixas e sintomas (Dwyer PL et cols.: Obesity and urinary incontinence in women. Br J Obstet Gynecol 95: 91, 1988).
O que é Bexiga Hiperativa e porquê ela ocorre.
Para se entender a fisio-patologia da Bexiga Hiperativa, deve-se primeiro compreender as funções da bexiga.
A bexiga realiza 2 funções básicas: 1- armazena urina de maneira inconsciente, até certo ponto, quando então a vontade passa a ser percebida; 2- expele toda a urina armazenada, de maneira coordenada com o esfíncter, sempre sob baixa pressão.
Durante o enchimento da bexiga, sua musculatura, ao lado da elasticidade do órgão, deve acomodar a urina formada nos rins, o que permite enchê-la.
Por trás deste processo, uma trama complexa de nervos são gradativamente ativados, para que o sistema nervoso, comece a perceber o enchimento do órgão.
As conexões nervosas, que se fazem na medula e no cérebro, tendem a facilitar, ou a inibir as vias neuronais, responsáveis pelas sensações oriundas na bexiga durante o enchimento.
Como no cérebro, os sistemas de controle funcionam como interruptores de luz, na medida em que a bexiga se enche; mais e mais interruptores vão sendo desligados, até que a vontade de urinar se torna insuportável, e incontrolável. Este é o momento em que a musculatura da bexiga contrai-se involuntariamente, de maneira sincronizada, provocando uma micção involuntária, com pouco ou muito volume, mas sempre suficiente para ser indesejada; e constrangedora.
Várias doenças, tais como Doença de Parkinson, AVC (“derrame cerebral”), diabetes mellitus, esclerose múltipla e outras; apresentam desbalanços entre as vias neurológicas que promovem ou inibem a bexiga. A bexiga hiperativa também pode ocorrer devido a uma desbalanço, não das vias neuronais, mas das substâncias liberadas nas sinapses – conexões entre neurônios; como é o caso da Doença de Parkinson, onde a bexiga hiperativa é decorrente da perda de inibidores dopaminérgicos (Yoshimura N et cols.: The dopamine D1 receptor agonist SKF 38393 suppresses detrusor hyperreflexia in the monkey with parkinsonism induced by 1-methyl-4-phenyl-1,2,3,6-tetrahydropyridine (MPTP). Neuropharmacol 32:315, 1993).
Possíveis consequências de longo prazo da Bexiga Hiperativa – O mundo celular
A bexiga hiperativa é por si só uma anormalidade funcional, desde que o balanço entre a elasticidade e a contração muscular, deveria permitir a acumulação de urina a baixa pressão no interior, com correspondente controle voluntário do momento de esvaziar a bexiga.
Uma das hipóteses para explicar o aparecimento da Bexiga Hiperativa centra-se em alterações não só neuronais, mas também do funcionamento das células da musculatura vesical (detrusora). Neste pormenor, as células da musculatura detrusora estariam hiperexcitadas ao ponto de envolverem células vizinhas ou próximas, causando uma contração sincrônica da musculatura. Esta hiperexcitação seria decorrente de uma inervação mais densa; isto é, cada célula estaria conectada a diferentes nervos, aumentando e facilitando a excitação de várias regiões da bexiga, que à medida que enchesse, se sincronizaria num espasmos vesical capaz de provocar uma micção involuntária, difícil de evitar (Goldberg RP et col.: Pathophysiology of the overactive bladder. Clin Obstet Gynecol 45:182, 2002).
Obstrução Urinária (Uretral) e Bexiga Hiperativa
A musculatura da bexiga é extremamente adaptável à condições adversas.
Diante de qualquer dificuldade da bexiga em se esvaziar, a musculatura prontamente aumenta sua força de contração, hipertrofiando-se, em resposta à necessidade de aumentar a força (pressão) para se esvaziar.
Assim quando existe uma obstrução da uretra, por aumento do volume da próstata (em homens), quando a bexiga está caída (em mulheres); ou quando o esfíncter não se abre (obstrução funcional, pode ocorrer em ambos os sexos), a musculatura precisa fazer mais força para gerar maior pressão no interior da bexiga, de maneira a aumentar a eficiência da contração da musculatura, para que ela seja capaz de expelir a urina por um diâmetro uretral menor. Este fenômeno adaptativo chama-se de plasticidade detrusora.
Entretanto, esta adaptação da musculatura provoca uma hiperexcitação das células musculares às substâncias responsáveis pela contração muscular, muitas vezes irreversível. Isto é,mesmo após a retirada da obstrução, alguns pacientes podem ter melhora apenas parcial.
Estudos com gatos e ratos, assim como observação em humanos; revelam que a obstrução uretral (diminuição do diâmetro da uretra) por apenas 70 dias, já é capaz de provocar o aparecimento de Bexiga Hiperativa (Gosling JA et cols. : Correlation between the structure and function of the rabbit urinary bladder following partial outlet obstruction. J Urol 163:1349, 2000).
Mais surpreendente ainda foi se verificar que, se a obstrução for de longa duração (crônica), as células musculares afastam-se de tal maneira, que a eficiência da contração muscular, inicialmente maior; progressivamente diminui, dificultando cada vez mais o esvaziamento da bexiga.
Diagnóstico, Estudo Urodinâmico e outros Exames
Embora muitos médicos tratem inicialmente a Bexiga Hiperativa de maneira empírica, o estudo urodinâmico é a única forma objetiva de diagnosticá-la.
Se em alguns casos, o estudo urodinâmico pode ser excessivo, muitas vezes ele separa ou diagnostica com maior precisão casos em que as queixas de perdas urinárias estão associadas à queixas de micção frequente e episódios de urgência miccional.
Algumas vezes a cistoscopia deve ser feita, pois sintomas de micção frequente, podem estar associadas à tumores na bexiga ou na uretra. Outras vezes sangue na urina, ou no exame de urina, podem estar relacionado à outras doenças, ou serem consequência de contrações vesicais involuntárias recorrentes.