por Dr. Paulo Rodrigues
A bexiga apresenta 2 funções opostas: armazenar urina e expeli-la de maneira intermitente. Para que isto ocorra necessita-se de uma coordenação neurológica complexa e interligada, mas que pode ser simplisticamente entendida, pela conexão complexa entre os centros neuronais cerebrais (voluntários; que determinam o momento de esvaziar a bexiga de acordo com conveniências pessoais), espinais (que interligam os diversos músculos envolvidos com a postura para se fazer a micção, assim como a coordenação entre o assoalho pélvico e a contração da bexiga propriamente dita) e nervos pélvicos ( que fazem com que o esfíncter se relaxe e a bexiga se contraia, permitindo que a urina seja expelida, de maneira integral).
Os músculos que contêm a urina e as fezes na cavidade abdominal e pélvis apresentam um tônus muscular que lhes dão uma certa tensão, que impedem que a urina e as fezes simplesmente caiam/saiam, quando andamos, tossimos ou saltamos. Na medida em que a urina se avoluma na bexiga, os músculos da uretra aumentam sua tensão muscular, ativando-se cada vez mais, para reforçar esta propriedade de manter a urina dentro da bexiga, prevenindo a perda involuntária de urina.
Quando há uma incoordenação entre o momento de relaxamento do esfíncter e a contração da bexiga, cria-se um impedimento – obstrução funcional; para o esvaziamento urinário completo e facilitado.
Este processo se apresenta de maneira muito variável, com graus leves de incoordenação; assim como com graus severos, onde o esfíncter pode até mesmo se contrair em oposição à pressão que a bexiga gera para se esvaziar (Fowler, Kirby et al. 1985).
Esta obstrução, com características exclusivamente funcionais, revela-se somente no momento em que o conjunto esfíncter-bexiga, precisa se coordenar; sendo portanto, uma obstrução funcional e não mecânica.
Encontra-se aqui, uma das dificuldades para se diagnosticar pacientes que apresentam esta doença; pois a maioria dos exames se revela normais, por terem características estáticas, não demonstrando a natureza disfuncional e incoordenada do processo.
Quando no extremo do espectro a disfunção é tamanha, que a bexiga não consegue vencer a resistência imposta pelo esfíncter contraído, pode ocorrer quadro de retenção urinária. Neste último extremo, observa-se total ausência de micção, havendo necessidade de sondagem da bexiga para que a urina seja drenada, sob o custo de se instalarem fortes dores abdominais, associadas ou não; à infecção urinária.
Quando o quadro de retenção urinária se configura, facilmente se estabelecesse a denominação de Síndrome de Fowler.
Caracteristicamente, mulheres jovens são mais afetadas por este quadro.
Embora de instalação súbita, reconhece-se que alguns eventos podem deflagrar a retenção urinária, tais como uso de narcóticos, anti-depressivos, partos (vaginais ou cesáreos) ou pequenas cirurgias pélvicas.
Como a obstrução é funcional, “fazer força” com a barriga, para tentar esvaziar a bexiga, não melhora o esvaziamento urinário; muito pelo contrário.
Quando interrogadas, é frequente que as pacientes relatem que já tinham alguns sintomas pequenos, frequentemente relatados como sensação de “coceira“ ou incômodo na uretra, que urinavam com jato muito fraco, que havia algum ardor na hora de urinar, e que urinavam diferentemente de suas amigas; ao que se reconhece que a disfunção poderia já estar presente, embora não diagnosticada; há bastante tempo.
A causa desta disfunção urinária não está bem conhecida, mas estudos do músculo do esfíncter uretral demonstram importante diminuição da densidade de receptores colinérgicos nas células musculares, levando à desorganização dos comandos neurais responsáveis pela resposta coordenada, entre a contração da bexiga e o relaxamento do esfíncter.
Embora a eletromiografia esfincteriana seja o exame mais objetivo para se firmar o diagnóstico, ele é pouco prático, invasivo e de difícil realização, reservando-se muitas vezes para estudos acadêmicos, ou onde a confirmação requer precisão.
Interessante, alguns estudos demonstram que algumas pacientes apresentam aumento do tônus do esfíncter uretral de maneira sublimiar, indicando denervação crônica do esfíncter, ou mesmo alterações bioquímicas insuspeitas de seu funcionamento, que por serem pequenas, não se traduzem em quadros dramáticos de mal funcionamento da uretra e bexiga, mas apenas com sintomas incomodativos, que vem e vão. Num estudo com 351 mulheres operadas para tratamento da incontinência, 8% dos casos mostraram alterações funcionais da uretra compatíveis com descargas eletromiográficas complexas e incoordenadas no esfíncter uretral,o que caracteriza esta patologia na sua origem. Estas pacientes mais freqüentemente, relataram que tinham de fazer força para urinar, tinham sintomas de cistite de repetição,jato urinário fraco, ou a combinação deles (Fitzgerald MP et cols. Neurourol Urodyn 19: 577, 2000).
Desta maneira; é mais frequente que na maioria dos casos, o diagnóstico se confirme pela soma dos achados e evidências, de que o esfíncter não se relaxa apropriadamente o quanto deveria; no momento da contração da bexiga, para facilitar o esvaziamento da bexiga.
O estudo urodinâmico pode, de maneira indireta, dar fortes pistas de que o tônus da uretra está aumentado, dificultando sua abertura no momento da micção. A medida da pressão de oclusão uretral obtida pelo perfil pressórico uretral (UPP) ou mesmo a pressão de micção elevada, são achados freqüentes e indiretos, que somados caracterizam um processo obstrutivo disfuncional da uretra.
Outros métodos estáticos tais como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, podem ajudar; mas são de pouca valia na determinação diagnóstica, por serem métodos de avaliação estáticos.