por Dr. Paulo Rodrigues
O Divertículo Uretral não é um diagnóstico frequente; e nem comum, sendo francamente esquecido, como causa de muitas queixas relacionadas à micção.
Ele representa uma saculação externa, frequentemente pequena, do tubo uretral, que pode ser responsável por gotejamento terminal – urinar algumas gotas após terminar o jato urinário; ou ser sede de Infecções Urinárias, que não se curam.
Sintomas
Os sintomas mais frequentes desta condição são ardência para urinar (38%), gotejamento urinário após o término do fluxo urinário (31%), urgência para urinar e Infecções Urinárias (60%) que se repetem com regularidade.
Por se tratar de um distúrbio na uretra, não é infrequente que sangue na urina (10%) ou incontinência urinária (49%), também estejam presentes.
Como há infecção e inflamação da uretra, muitas pacientes também se queixam de dor na vagina; ou às relações sexuais (24%), e não infrequentemente corrimentos vaginais repetidos ou de difícil cura, têm como causa de fundo o Divertículo Uretral.
Importante, o tamanho do Divertículo Uretral, não se relaciona com o tipo de sintomas, nem tampouco a sua intensidade, sendo por isto mesmo, frequentemente confundido com outras causas de distúrbios na uretra.
Como o diagnóstico é elusivo, muitas vezes as pacientes são tratadas por anos a fio, de patologias que apresentam queixas urinárias ou abdominais semelhantes; tais como, cistite intersticial, endometriose, vulvodínia, síndrome pélvica, etc; sem haver progresso ou melhora dos sintomas.
Fisiopatologia
Não se sabe ao certo porque os Divertículos Uretrais aparecem, mas suspeita-se, que a micção com alta pressão, resultado de uma estenose restritiva ou funcional da uretra, levaria algumas micro-glândulas ao redor da uretra a se inflamarem, levando à infecção secundária. Estas por conseguinte, destruiriam o fino arcabouço, formando saculações mais complexas, que dariam resultado ao Divertículo Uretral.
Alguns estudos relacionam os Divertículos Uretrais ao trauma induzido pelo parto vaginal, que alteraria a estrutura das micro-glândulas (Ganabathi K et cols. Experience with the management of urethral diverticulum in 63 women. J Urol 152: 1445, 1994).
Diagnóstico
O diagnóstico é feito após criteriosa avaliação e exame físico, que revela um pequeno abaulamento na parede da vagina.
Exame de cistoscopia, toque vaginal, sondagem uretral, e exames de imagem que incluem tomografia, uretrocistografia e/ou ressonância, completam a gama de exames apropriados para a confirmação diagnóstica do Divertículo Uretral.
O estudo urodinâmico ou Vídeo-urodinâmica podem ser necessários para se avaliar a função uretral esfincteriana, pois alguns divertículos podem ser circulares ou em forma de ferradura, no qual o tratamento cirúrgico pode comprometer a função muscular do esfíncter uretral.
Os Divertículos Uretrais podem ter formatos diferentes em relação ao lúmen da uretra, podendo ser saculares, em forma de U ou circunferenciais. Sua apropriada identificação pré-operatória tem capital importância, visto que a cura cirúrgica varia, respectivamente 100%, 75% e 64% (Ko KJ et cols. Surgical Outcomes of Primary and Recurrent Female Urethral Diverticula. Urology.2017 Jul;105:181-185).
Tratamento
O tratamento na quase totalidade dos casos é cirúrgico, e requer a retirada criteriosa e delicada da saculação para-uretral.
A retirada incautelosa ou inadvertida do “bolsão” de urina pode lesar estruturas nobres envolvidas com a continência urinária.
Fístula urinária também é uma potencial e indesejável complicação cirúrgica, exigindo do cirurgião, treinamento específico, e profundo conhecimento da anatomia local.
Infelizmente, não se conhece com precisão, a história natural desta doença; mas se reconhece que o Divertículo de Uretra é mais sujeito a apresentar câncer no seu interior, e aqueles que decidem não operá-lo devem ser fortemente recomendados a manterem vigilância constante e regular do Divertículo Uretral, visto não haver estudos que preveem sua ocorrência. Embora os métodos de imagem tenham tido extraordinário avanço, com particular destaque para a ressonância magnética; ainda assim, há contradições inaceitáveis de precisão entre os achados cirúrgicos e as observações obtidas com a ressonância, não sendo seguro se descartar neoplasias, a partir dos achados dos métodos de imagem (Chung DE et cols. Urethral diverticula in women: discrepancies between magnetic resonance imaging and surgical findings. J Urol.2010 Jun;183(6):2265-9).
Novos Divertículos Uretrais podem aparecer, mas são ocorrência rara.
Já a recorrência daquele tratado frequentemente ocorre devido à remoção incompleta, ou dissecção fora dos planos cirúrgicos adequados, e esta observação revela a importância de uma adequada primeira cirurgia, quando os planos cirúrgicos, ainda estão preservados e intocados.
Uma situação incomum e única é a ocorrência de Divertículo Uretral com incontinência urinária. Neste caso particular, o tratamento da incontinência urinária concomitantemente a retirada do Divertículo Uretral é melhor do que a retirada do divertículo, sem a colocação de sling, pois a ocorrência de infecções urinárias (82% x 25%), dor às relações sexuais (64% x 8%) e urgência miccional (56% x 13%) favorecem o tratamento concomitante quando comparado ao tratamento isolado (Greiman Aet cols. Outcomes of treatment of stress urinary incontinence associated ith female urethral diverticula: A selective approach. Neurourol Urodyn. 2018 Jan;37(1):478-484).
Outra situação particular resume-se ao tamanho do divertículo ou à sua posição.
Em alguns casos, a retirada da saculação mencionada, resulta num defeito no tubo uretral, que requer um enxerto para tampar o buraco resultante da ressecção do Divertículo Uretral. Neste caso, a melhor opção é a utilização de enxerto de Martius – descrito há mais de 90 anos; permite cobrir o defeito resultante com uma delicada cirurgia de enxerto, que reconstitui a anatomia da uretra. A área doadora é a gordura e o tecido conjuntivo dos grandes lábios. Estudos revelam que apesar da retirada do tecido, os resultados cosméticos e funcionais da cirurgia são excepcionais; o que torna esta técnica tão atrativa, para casos complexos de reconstrução uretral (Petrou SP et cols. Martius Flap Harvest site: Patient self-perceptio. J Urol 5: 2098, 2002).