por Dr Paulo Rodrigues
Estenose de uretra é o estreitamento restritivo ao fluxo de urina.
Dado que a uretra é um tubo com propriedades elásticas que se manifestam quando a urina está passando com uma certa pressão, a dificuldade da uretra em se expandir, restringindo o fluxo de urina, produz uma diminuição do fluxo urinário.
No início do processo, que é lentamente progressivo; a diminuição do fluxo urinário pode não ser perceptível a olho nu, mas à medida que o processo progride e se agrava, fica cada vez mais evidente a diminuição do fluxo urinário.
Os sintomas de obstrução ou dificuldade ao fluxo urinário podem se acompanhar de outros sintomas, que se agravam e se tornam mais clinicamente perceptíveis na medida em que a bexiga passa a sofrer as consequências deste processo.
Basicamente, os sintomas urinários relacionados à estenose de uretra são: jato urinário fraco, força para urinar, sensação de micção incompleta, gotejamento urinário após o término da micção, ardor uretral e infecções urinárias.
Interessante notar que, um estudo que avaliou 1439 casos com estenose de uretra a idade média era de 45 anos, e 73.6% já tinham sido tratados em outros serviços sem sucesso, e 32% já tinham feito mais de 2 procedimentos cirúrgicos para o tratamento da estenose, antes de encontrarem um profissional que lidasse bem com a doença (Palminteri E et cols. Contemporary urethral stricture characteristics in the developed world. Urology 81:191, 2013).
Localização
No homem, 50% das estenoses uretrais ocorrem na uretra bulbar – região que corresponde à curvatura da uretra antes dela entrar na pelve (Palminteri E et Als. Contemporary urethral stricture characteristics in the developed world. Urology 81:191, 2013).
Gravidade da situação
A uretra é um tubo com propriedades elásticas, que em estado de repouso está colabada (fechada), passando a se distender na medida em que o fluxo de urina cria uma pequena pressão, distendendo-a.
O tecido que circunda a uretra, chamado de corpo espongioso, enche-se de sangue na ereção, mas não dá forma ou consistência ao pênis.
É o comprometimento cicatricial do tecido espongioso, chamado de espongio-fibrose, que determinará o grau de gravidade da estenose e sua recorrência.
Na medida em que há tecido cicatricial fibroso inelástico circundando externamente a uretra, e funcionando como um anel restritivo, este tecido impedirá que a uretra se dilate para deixar o fluxo de urina passar facilmente.
Lesões da uretra que ultrapassam o limite do epitélio uretral apresentam maior comprometimento e gravidade da estenose, do que aqueles que têm lesões restritas somente ao epitélio.
Etiologia da Estenose de Uretra
A causa mais frequente de estenoses de uretra são as iatrogênicas, em que cirurgias na uretra ou sondagens inadvertidas causam lesões microscópicas ou macroscópicas no epitélio da uretra, levando a um processo inflamatório cicatricial, que tende a constringir a passagem de urina pela uretra.
A passagem traumática de sonda na uretra pode ocorrer em qualquer segmento de seu comprimento; sendo mais comum na região bulbar, pelas características de curvatura desta região.
Doenças infecciosas na uretra, com particular menção à gonorreia, também podem produzir estenoses de uretra, e igualmente processos inflamatórios de origem desconhecida, tal como o líchen escleroso, também podem constringir o tubo uretral.
Queda à cavaleiro e traumas em muros, guidões de bicicletas, chutes e outros esportes; também podem causar lesões na uretra, pois durante a queda ou trauma, a uretra será comprimida contra a sínfise púbica (Wessells H, Long L. Penile and genital injuries. Urol Clin North Am 33:117,2006).
Diagnóstico da Estenose de Uretra
Embora todas as estenoses de uretra tenham em comum, a mesma apresentação, resumidas na forma de jato urinário fraco, sensação de micção incompleta e aumento da frequência miccional; a localização precisa do local da estenose é capital para se determinar o melhor tratamento a ser adotado.
Exames auxiliares, tal como a fluxometria urinária e o estudo urodinâmico revelam uma jato urinário fraco,regular e achatado, que representa a dificuldade da urina em deixar a bexiga.
Neste pormenor, a uretrocistografia miccional e retrógrada permite avaliar a localização com especificidade de 94%.
Mais recentemente, a incorporação da ultrassonografia (US) como método de avaliação da espongio-fibrose permite avaliar o prognóstico, a profundidade e a extensão da fibrose, muitas vezes subestimada pelas técnicas de Rx-simples ou contrastado.
Igualmente, recente, a ressonância magnética do pênis, também tem se mostrado um método auxiliar na avaliação da extensão da estenose uretral.
Tratamento da Estenose de Uretra – Dilatação uretral
As estenoses uretrais são frequentemente tratadas com sondas de dilatação de maneira seriada e progressiva.
Há outras formas de se dilatar a uretra estenótica, podendo-se usar balões de dilatação, ou sondas axiais de calibres progressivos.
Este método, muitas vezes muito atrativo, e por ser menos sofisticado, mais barato e não-cirúrgico, apresenta no entanto, alto índice de recorrência. Em um estudo recente, 60% dos casos tratados tiveram recorrência dos sintomas e da estenose após 48 meses de acompanhamento médico (Steenkamp JW et cols. Internal urethrotomy versus dilation as treatment for male urethral strictures: A prospective, randomized comparison. J Urol 157:98, 1997).
Tratamento da Estenose de Uretra – Uretrotomia endoscópica
A abertura endoscópica da luz uretral estenótica com LASER ou faca fria apresenta sucesso apresenta alto índice de melhora clínica, com significativo aumento do jato urinário e atenuação dos sintomas obstrutivos. No entanto, o acompanhamento clínico destes casos revela uma melhora sustentada de 30% no longo prazo (1 a 3 anos) (Santucci R, Eisenberg L. Urethrotomy has a much lower success rate than previously reported. J Urol 183:1859, 2010).
As estenoses uretrais com melhor resposta clínica são aquelas com extensão menor que 1 cm e não tão severas, embora muitos estudos não avaliem o comprometimento do tecido esponjoso pelos métodos mais recentes, e que claramente permitem melhor avaliação da extensão da estenose uretral.
Na tentativa de promover resultados mais duradouros, alguns estudos focaram na utilização concomitante de medicamentos no momento da cirurgia, a fim de se evitar a deposição de fibroblastos na zona de incisão da estenose, mas os resultados foram conflitantes (Redshaw JD et cols. Intralesional injection of mitomycin C at transurethral incision of bladder neck contracture may offer limited benefit: TURNS Study Group. J Urol. 2015;193:587–92). A mesma observação foi feita com o uso de corticoides locais, verificando-se queda na recorrência em 20 a 50% dos casos (Mazdak H et cols. Internal urethrotomy and intraurethral submucosal injection of triamcinolone in short bulbar urethral strictures. Int Urol Nephrol 42:565, 2010).
Complicações do Tratamento Endoscópico
A incisão profunda, inadvertida ou a ruptura de vasos sanguíneos durante o procedimento, pode resultar em sangramento, hematoma peniano ou perineal, além de aumento nas chances da estenose recorrer.
Tais eventos são mais frequentes em casos de estenose mais longas, inabilidade cirúrgica, ou repetições do procedimento sem o adequado conhecimento da gravidade da estenose – o que deve ser planejado meticulosamente antes da cirurgia.
Cirurgia Uretral – Uretroplastia
A uretroplastia, ou a excisão (ressecção) do segmento estenótico da uretra e reemenda (anastomose) com tecidos sadios e saudáveis, é considerada a forma mais adequada e definitiva de tratamento das estenoses de uretra (Morey AF et als. SIU/ICUD consultation on urethral strictures: Anterior urethra – Primary anastomosis. Urology 83 Suppl:S23–6, 2013).
Vários estudos comparando outras formas de tratamento das estenoses de uretra com a uretroplastia convencional, demonstram que o realinhamento após a ressecção do segmento estenótico apresenta o melhor resultado clínico, e a menor taxa de recidiva no longo prazo, com índices de sucesso de 90 a 95% (Mundy AR, Andrich DE. Urethral strictures. BJU Int 107:6, 2011) (Morey AF et als. SIU/ICUD consultation on urethral strictures: Anterior urethra – Primary anastomosis. Urology 83 Suppl:S23–6, 2013).
Cirurgia Uretral com Enxerto
Casos em que o comprimento da estenose è maior do que 1.5 cm podem necessitar de enxerto a fim de reconstituir o tubo uretral.
Nos casos onde foi necessário a colocação de enxertos – tidos como mais graves e complexos, o índice de sucesso num prazo de 3 anos é de 88%, com índices de recorrência de 15% (Wessells H, Long L. Penile and genital injuries. Urol Clin North Am 33:117, 2006).
Meta-análise de Técnicas de Uretroplastias realizadas com diversos tipos de enxerto
Número de casos avaliados | Tempo de avaliação(meses) | Sucesso (%) | |
Enxerto dorsal | 934 | 43 | 88% |
Enxerto ventral | 563 | 34 | 89% |
Reconstrução em 1 tempo (único) | 432 | 33 | 75% |
Reconstrução em 2 tempos cirúrgicos | 129 | 22 | 91% |
Sucesso e Qualidade de Vida
Disfunção sexual temporária que pode durar de 6 meses a 1 ano, é um evento bem reconhecido em cerca de 40% dos casos submetidos a tratamento cirúrgico da estenose de uretra. Em sentido oposto a este, a dificuldade de ejaculação observada em pacientes com estenose de uretra, reverte-se a partir da correção da estenose, melhorando em 36% dos casos.
Estenose de Uretra Anterior (Estenose de Meato ou Fossa Navicular)
As estenoses de uretrais da fossa navicular e meato uretral constituem um tipo particular de estenose de uretra (20%).
Frequentemente observada em homens adultos, alguns homens podem ter como origem do problema o aparecimento de Líquen Escleroso, como causa da doença.
Este tipo de estenose pode inicialmente responder a dilatações simples, mas o índice de recorrência é alto em curto período (> 25%) (Steenkamp JW et cols. Internal urethrotomy versus dilation as treatment for male urethral strictures: a prospective, randomized comparison. J Urol 157 : 98, 1997).
Os casos recalcitrantes à dilatação podem, e devem ser tratados com cirurgias de enxerto, Após a zona de Líquen Escleroso ter sido removido, para que a enxertia tenha melhor resultado clínico. Nestas condições, cerca de 84% dos homens reconhecem o tratamento como sucesso num segmento clínico médio de até 5 anos (Joshua J et cols. Distal urethroplasty for isolated fossa navicularis and meatal strictures. BJU Int 1 0 9 : 61 6, 2011). Entretanto, a recorrência observada em casos com Líquen Escleroso foi significativamente maior (20.5% X 7.5% – P = 0.04).
Neste pormenor, casos em que a causa da estenose foi devida ao Líquen escleroso, a recorrência pode ser de até 100%, se a área acometida pela doença de pele não foi ressecada. Nos casos em que ela foi ressecada e utilizou-se enxerto de mucosa oral, a recorrência foi de apenas 6% (Venn SN, Mundy AR. Urethroplasty for balanitis xerotica obliterans. Br J Urol 81 : 735, 1998).
Líquen Escleroso como causa de Estenose Uretral
O líquen Escleroso pode afetar qualquer área do revestimento humano (pele). Considerado uma disfunção do sistema imune contra o epitélio, áreas onde a elasticidade têm papel crucial como nos orifícios (ânus, vagina e meato uretral) tem consequências dramáticas por restringirem a passagem de urina ou fezes.
Quando o Líquen escleroso atinge o meato uretral, uma certa dificuldade em urinar se estabelece, e o gotejamento urinário após a micção passam a ser uma constante, devido ao estrangulamento do orifício da uretra.
Cerca de 15% das estenose de uretra são devido a Líquen Escleroso, afetando mais caucasianos (Lumen N et cols. Etiology of urethral stricture disease in the 21st century. J Urol 182:983, 2009) e envolvendo não só o meato, mas também muitas vezes, toda a glande.
Estenose de Uretra após Prostatectomia Radical
A retirada ou a irradiação do tumor prostático podem causar estenose de uretra.
Nos casos em que houve a prostatectomia radical (retirada cirúrgica da próstata) a incidência de estenose é de cerca de 2.7% a 25.7%, frequentemente localizada na região da anastomose ou colo vesical (Park R et cols. Anastomotic strictures following radical prostatectomy: insights into incidence, effectiveness of intervention, effect on continence, and factors predisposing to occurrence. Urology 57: 742, 2001) (Kao TC et cols. Multicenter patient self-reporting questionnaire on impotence, incontinence and stricture after radical prostatectomy. J Urol 163: 858, 2000).
Não se sabe ao certo a origem do problema, mas a falta de acolamento entre as bordas mucosas da uretra e bexiga, ou micro-isquemias decorrentes de doenças concomitantes, parecem ser capital na origem do processo, já que tabagismo, obesidade, hipertensão e diabetes. aumentam sua frequência (Wang R et cols. Risk factors and quality of life for post-prostatectomy vesicourethral anastomotic stenoses. Urology 79: 449, 2012).Já a estenose decorrente de radioterapia é estimada em 2% dos casos, sendo muito maior – cerca de 12% nos casos de braquioterapia (Zelefsky MJ et cols. Comparison of the 5-year outcome and morbidity of three-dimensional conformal radiotherapy versus transperineal permanent iodine-125 implantation for early-stage prostatic cancer. J Clin Oncol 17:517, 1999).