por Dr. Paulo Rodrigues
A estenose de Junção Uretero-Piélica, conhecida pelo acrônimo: estenose de J.U.P; é uma condição urológica complexa.
Ela pode ser diagnosticada em recém-nascidos ou crianças devido a dores abdominais ou sangramento na urina, que após investigados – normalmente com ultrassonografia; revela uma dilatação renal.
Muitos casos de estenose de JUP são congênitos e podem cursar silenciosas até a idade adulta, quando dores abdominais intermitentes, sangramentos urinários, infecções urinárias e cálculos renais podem ser a causa para a realização de exames que revelam a dilatação renal.
Estas circunstâncias resultam em aumento da urina dentro da pele renal, por deficiência na drenagem ureteral, levando a uma compressão do parênquima renal.
A zona de transição entre a pélvis renal e o ureter apresenta distribuição espiral da musculatura, um mecanismo inteligente e genial que permite que a contração peristáltica impulsione uma pequena quantidade de urina para dentro do ureter. Quando a musculatura tem disposição longitudinal, a propagação para frente da urina formada dentro do rim fica comprometida; e passa a se acumular dentro do rim, com consequente aumento da pressão no seu interior, o que o dilatará e o fará perder função.
Não se sabe precisamente porquê as fibras musculares e dispõem erradamente, mas secreção anormal de Transforming-growth factor -ß (TGF-ß), diminuição de óxido nítrico nas células, neuropeptídeo Y ou dissincronias das células intersticiais de Cajal, já foram apontadas como causas da doença.
Qualquer que seja a idade de descobrimento da doença, o tratamento deve ser centrado na decisão de se preservar a função renal.
É a dilatação renal progressiva e a perda do parênquima renal que determinam a perda da função renal, de maneira irreversível.
Pode-se entender a estenose da junção uretero-piélica, ao se compreender a embriologia da formação do rim.
O ureter que drena a urina contida na pelve renal em direção à bexiga, conecta-se à pelve renal muito cedo durante o desenvolvimento embrionário do rim. Defeitos na conexão do ureter aos primórdios do rim, podem causar obstruções parciais ou totais, dificultando ou impedindo a urina, de deixar o rim.
O estreitamento no início do ureter aumenta a pressão no interior do rim, causando hidronefrose e lesão permanente e irreversível do parênquima renal.
Como o aumento da pressão renal pode ser intermitente, isto ajuda a entender porquê alguns casos, congênitos em natureza; podem cursar longos anos silenciosamente, sem serem notados, antes que dores ou infecções urinárias, possam ser percebidos pelo paciente.
Exames Diagnósticos
A urografia excretora continua sendo um importante exame para a diferenciação das dilatações renais, particularmente nos casos de suspeita de estenose de JUP.
Não obstante, outras tecnologias, tais como tomografia computadorizada e ressonância magnética, acrescentam na confirmação e diferenciação do problema.
Particularmente frequente, casos de dilatações renais, diagnosticadas em crianças, podem exigir a utilização da cintilografia renal, que por mensurar não só a filtração renal, mas também o tempo de excreção piélica, ajuda na afirmação do diagnóstico de obstrução das vias renais.
O radio-isótopo utilizado apresenta características específicas quanto à ao local de captação renal, e o fármaco utilizado deve ser determinado a partir da necessidade de determinação da filtração glomerular ou tubular.
A diferenciação entre rins multicísticos ou obstrução renal em recém-nascidos, pode ser bastante difícil, mas facilmente reconhecida com o uso de cintilografia renal.
Normalmente, o tempo de excreção de metade da dose do radioisótopo utilizado é de cerca de 10 – 15 min. Períodos maiores do que 20 minutos indicam processo obstrutivo >(Roarke MC et cols. Provocative imaging. Diuretic renography. Urol Clin North Am ;25:227, 1998).
A ultrassonografia, por ser método não ionizável e de fácil acesso, continua sendo o exame primário das doenças renais, mas não consegue avaliar a função renal.
A associação com Doppler, que permite a mensuração da resistência vascular do parênquima renal, traz importante vantagem na suspeita diagnóstica, mas o valor da especificidade (88%) compromete o acerto diagnóstico (Mitterberger M et cols. Comparison of contrast-enhanced color Doppler imaging (CDI), computed tomography (CT), and magnetic resonance imaging (MRI) for the detection of crossing vessels in patients with ureteropelvic junction obstruction (UPJO). Eur Urol. 53:1254, 2008).
Tratamento
O tratamento da estenose de JUP pode ser feito de diversas maneiras (Schulam PG. Utereropelvic junction obstruction. In: Litwin MS, Saigal CS, eds. Urologic Diseases in America US Department of Health and Human Services, Public Health Service, National Institutes of Health, National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases NIH Publication No. 07-5512. Washington, DC: US Government Printing Office, 2007, pp. 323–332).
A razão principal para se tratar a estenose é o controle dos sintomas e a preservação da função renal, que deve ser avaliada caso-a-caso.
Cerca de 40% dos casos de recém-nascidos têm resolução espontânea da hidronefrose, mas requerem monitorização regular da função renal, sob pena de haver dano irreversível. Embora ainda somente utilizado para fins acadêmicos, enzimas tais como N-Acetil-Glicosamina (NAG), fosfatase alcalina (AF) e gama-glutamil transferase (GGT) urinárias, são importantes indicadores da necessidade de cirurgias. Observa-se que estas enzimas estão elevadas em casos onde existe obstrução urinária, havendo um retorno à normalidade após o tratamento com sucesso e normalização da pressão intra-renal (Rathod KJ et als. Hydronephrosis due to pelviureteric junction narrowing: Utility of urinary enzymes to predict the need for surgical management and follow-up. J Indian Assoc Pediatr Surg 17:1, 2012).
De interesse, o método aberto apresenta sucesso da ordem de 90%, similar aos métodos minimamente invasivos (robô ou laparoscópica) quando comparado aos métodos endoscópicos – endopielotomias, que têm resultados de sucesso alto (80%) mas inferior aos de ressecção tradicional (Jacobs BL et cols. Urologic Diseases in America Project. The Comparative Effectiveness of Treatments for Ureteropelvic Junction Obstruction. Urology 111:72, 2018).
Tratamento Endoscópico
Tendo em mente que algumas obstruções não são tão restritivas, e que novas tecnologias permitirão seccionar ou dilatar a junção uretero-piélica por técnicas endoscópicas, alguns casos podem ser tratados, sem as técnicas de operações convencionais, que envolvem a ressecção da área estenótica.
A incisão da área estenótica com laser, faca endoscópica ou termocautério, pode desfazer a área de restrição à drenagem urinária, mas deve-se estar atento de que estenose extensas, ou em rins cuja função renal já esteja diminuída, os resultados serão mais limitados. As técnicas de endopielotomias apresentam índice de sucesso que variam de 60 a 90% (Manikandan R, Saad A, Bhatt RI, Neilson D. Minimally invasive surgery for pelviureteral junction obstruction in adults: A critical review of the options. Urology. 65:422, 2005), bastante inferiores em comparações com as técnicas convencionais.
Cirurgia Tradicional
Durante anos a pieloplastia aberta foi a cirurgia padrão para o tratamento da estenose de J.U.P (Junção Uretero-Pièlica) e a incisão pode variar de acordo com o tamanho da dilatação renal e da idade do paciente, pois alguns cirurgiões podem escolher acessar a zona de obstrução renal por lombotomia posterior em crianças.
A cirurgia pela técnica de Anderson-Hynes é tida como a forma mais clássica de tratamento cirúrgico da estenose de JUP.
Devido ao desmembramento da pelve renal e do ureter, ela permite redução da pelve renal e excisão completa da zona estenótica, além de permitir a transposição do ureter acotovelado, em casos de artéria renal anômala.
Várias técnicas de “flap” (retalho) (Foley Flap, Culp-Deweerd flap, Scardino-Prince flap) também podem ser usadas a critério do cirurgião assistente, e se aplicam melhor para casos em que a estenose é longa e não permite a excisão total do segmento estenótico.
Num estudo único comparando a técnica de resecção (Anderson-Hynes) com técnica de flap de Foley, os resultado forma melhores no grupo submetido a ressecção completa da estenose (Szydelko T et cols. Dismembered laparoscopic Anderson-Hynes pyeloplasty versus nondismembered laparoscopic Y-V pyeloplasty in the treatment of patients with primary ureteropelvic junction obstruction: A prospective study. Journal of Endourology 2012;26(9):1165–1170).
Cirurgia Laparoscópica
As primeira cirurgias laparoscópicas foram feitas no início da década de 90, e ganharam rápida aceitação no meio médico pelo fato de apresentar níveis elevados de sucesso (Autorino R et al. Robot-assisted and laparoscopic repair of ureteropelvic junction obstruction: A systematic review and meta-analysis. Eur Urol 65: 430, 2014) e bom resultado cosmético; mas requerem maior complexidade de materiais cirúrgicos, centro cirúrgico mais sofisticado, maior tempo cirúrgico e cirurgião especializado e treinado para a realização do procedimento.
A complicação mais comum neste procedimento é a fístula urinária (4 a 13%) podendo ser tratada com drenagem renal percutânea ou entubação ureteral, de maneira a facilitar a drenagem urinária, dependendo da extensão da fístula e volume extravasado na zona anastomótica.
Diante da incorporação de tecnologias que vêm permitindo a correção cirúrgica com técnicas minimamente invasivas, tem-se observado expressiva modificação na forma com a estenose de JUP tem sido tratada no ambiente americano, apesar do maior custo que estas alternativas apresentam.
Cirurgia Robótica
A cirurgia com robô, nos centros onde a tecnologia está disponível, tem gradativamente substituído a laparoscopia, embora o custo da cirurgia seja maior. Comparado aos resultados da laparoscopia, a cirurgia robótica não apresenta superioridade de resultados (Braga LH et cols. Systematic review and meta-analysis of robotic-assisted versus conventional laparoscopic pyeloplasty for patients with ureteropelvic junction obstruction: Effect on operative time, length of hospital stay, post-operative complications, and success rate. Eur Urol. 2009;56:848–857) (Barbosa J et cols. Comparative evaluation of the resolution of hydronephrosis in children who underwent open and robotic-assisted laparoscopic pyeloplasty. J Pediatr Urol 2013; 9:199e 205).
A resolução clínica do quadro de dor, diminuição da dilatação renal e caliceal são cruciais para a determinação de sucesso do tratamento, mas deve-se estar atento a que a resolução da dilatação renal relaciona-se ao grau de dilatação previamente presente, observando-se retorno à normalidade em 22 a 100% dos casos, dependendo do grau de dilatação antes da cirurgia (Göğüş C et cols. Long-term results of Anderson-Hynes pyeloplasty in 180 adults in the era of endourologic procedures. Urol Int 73:11, 2014).
A avaliação de sucesso deve ser feita por exames regulares e numa perspectiva de longo prazo, sempre à critério do cirurgião; e de acordo com a necessidade evolutiva; pois depende do grau de dilatação renal observado antes da cirurgia.
Eventuais falhas podem, e devem ser corrigidas; sempre com o intuito de se preservar a função renal, elemento central de interesse em qualquer caso.
Nefrectomia (retirada total do Rim)
Nos raros casos em que a função renal está muito comprometida, pode-se aventar a hipótese de se realizar a retirada do rim dilatado e comprometido, em virtude da falta de função renal e/ou complicações secundárias decorrentes da enorme dilatação renal, tais com enorme acúmulo de urina no rim, formação de cálculos, infecções urinárias ou sangramentos.
Uso de catéteres ureterais no Tratamento Cirúrgico da estenose de JUP
O uso de catéteres ureterais para proteger a anastomose no tratamento cirúrgico da estenose de JUP, tem sido um problema de grande debate. Mesmo a técnica, se utilizada de maneira anterógrada ou retrógrada para a colocação do catéter; parece ser merecedora de debate, sobretudo em crianças.