por Dr. Paulo Rodrigues
Ao se tratar a incontinência urinária feminina, deve-se ter em mente que a paciente deseja ficar seca, de forma a melhorar sua qualidade de vida.
“Ninguém deve, ou precisa conviver com a Incontinência Urinária”
Para se atingir este objetivo, deve-se reconhecer a enorme quantidade de fatores envolvidos na gênese das perdas urinárias (bexiga, uretra, períneo, ingestão de líquidos, etc.) e se atuar incisivamente em cada um deles para reverter a situação das perdas urinárias.
A cirurgia de Sling vem ganhando rápida aceitação no meio médico como a cirurgia de eleição para o tratamento da incontinência urinária em mulheres, pelo formidável resultado de sucesso que apresenta com índices de cura de 75% a 100%.
Adicionalmente a este espetacular resultado clínico, some-se o fato de ser uma cirurgia minimamente invasiva, com pequeno ou nenhum repouso médico; e com tempo de internação hospitalar muito pequeno (em média < 1 dia de hospitalização).
Tipos de Sling
A cirurgia de Sling permite que a uretra se apoie sobre uma faixa resistente cirurgicamente inserida pela via vaginal.
Embora a ideia remonte a 1907, a técnica ressurgiu com força Ana década de 70, sendo amplamente praticada nos USA com excelentes resultados, utilizando-se para tanto uma “fita” de aponeurose, retirada do próprio paciente; daí o nome de Sling autólogo; para sustentar a uretra.
No final da década de 90, houve a industrialização da ideia, obedecendo-se os mesmos princípios, o que possibilitou tornar a técnica cirúrgica mais popular e minimamente invasiva, pois os trocáteres, permitiram inserir a faixa, desta vez de polipropileno; sem que houvesse área de doação da aponeurose.
O método ganhou rápida aceitação, pelos seus excelentes resultados.
Enquanto as técnicas convencionais, até então praticadas; mostravam resultado de cura (ficar sem perdas urinárias aos esforços) em torno de 60%, a técnica de Sling mostrou resultados clínicos de cura de 94 a 100% dos casos, havendo variação dos resultados devido à experiência do cirurgião e indicação clínica.
Na primeira concepção da técnica, a faixa de sustentação da uretra, era transferida para a região supra-púbica, chamando-se por isso de Sling retro-púbico.
Posteriormente, concebeu-se a técnica, em que a passagem da faixa era feita pelos foramens obturadores, e por isso mesmo, a técnica chamou-se de Sling trans-obturador.
A segunda concepção foi motivada pela maior incidência, ainda que pequena (< 2%) de complicações cirúrgicas relacionadas à transferência do Sling para a região retro-púbica, onde o risco de perfurações da uretra, bexiga ou hematomas relacionados à inserção da faixa, poderia ser maior.
Na técnica trans-obturadora, embora também possa haver traumatismos aos órgãos pélvicos, os riscos são menores.
Inicialmente, acreditou-se que a segunda técnica poderia mostrar resultado clínico inferior, com menor índice de cura; mas trabalhos clínicos prospectivos relataram o mesmo grau de eficiência para ambas as técnicas, embora o Sling retro-púbico ainda possa ter uma indicação específica, em alguns casos, tais como recidiva, recorrência ou pressão de perda urinária muito baixa, onde a compressão uretral deve ser mais restritiva.
Em estudos prospectivos de longo prazo, registrou-se índice de cura de 92% em 191 pacientes; mesmo quando havia associação de instabilidade vesical e incontinência urinária, embora nesta última circunstância, a satisfação registrada medida por questionários médicos validados (UDI,IIQ-7, VAS) tenha sido de 78% após 6,5 anos de seguimento (Heinonen P et cols. Objective Cure Rates and Patient Satisfaction After the Transobturator Tape Procedure During 6.5-Year Follow-Up J Minim Inv Gyn 20: 73, 2013).
Vantagens
A cirurgia de Sling trouxe consigo diversas vantagens, algumas já mencionadas.
Sua natureza minimamente invasiva permite quase que imediato retorno às atividades diárias, com mínimo de repouso médico para convalescência.
Alia-se a isto, que a cirurgia de Sling, se realiza pela via vaginal, resultando em mínima ou nenhuma dor no período de recuperação pós-operatório. Também o efeito cosmético não poderia ser melhor; pois sendo a cirurgia feita pela vagina, nenhum ponto cirúrgico ou incisão é visível.
Casos Especiais (mais graves)
- Pressão de Perdas Urinárias Baixa (Insuficiência do Esfíncter Interno)
O estudo urodinâmico permite avaliar as causas incontinência urinária.
Dentre as medidas obtidas pelo exame, a pressão de perda urinária (VLPP) mede a capacidade do esfíncter em manter a urina dentro da bexiga, nas situações em que há aumento da pressão intra-abdominal; como por exemplo, durante a tosse, espirro ou exercícios.
Entretanto, há casos em que o esfíncter está muito danificado; e as perdas urinárias ocorrem em situações em que um mínimo aumento da pressão no abdômen, tal como falar, sorrir, pigarrear ou mesmo ficar de pé; já é capaz de fazer a urina sair da bexiga. Esta situação denota a incompetência esfincteriana interna, cujo tratamento cirúrgico só deve ser feito pela cirurgia de Sling a colocação de esfíncter artificial, atualmente em desuso; diante do grande sucesso dos resultados com a cirurgia de Sling, substituindo-a.
Em geral, a insuficiência esfincteriana ocorre nos casos de incontinência urinária que já foram operados, mas recidivaram; nos casos em que a mulher submeteu-se à histerectomia (retirada do útero), em que houve partos vaginais, ou quando a idade é maior que 60 anos (Horbach NS et cols. Predicting intrinsic urethral sphincter dysfunction in women with stress urinary incontinence. Obstet Gynecol 84: 188, 1994).
Os casos com insuficiência esfincteriana apresentam resultados clínicos de cura menores, com índice de cura ao redor de 75%, contrapondo-se aos casos onde a causa da incontinência urinária é somente a mobilidade uretral, que quando corrigida apresenta índice de sucesso de 100% a 94%.
- Re-operação
Casos já operados, apresentam maior incidência de insuficiência esfincteriana, e por isto menor índice de sucesso, pondo à vista a necessidade de que a 1° cirurgia deve ser bem feita, pois reside aí a maior chance de sucesso e cura para a paciente.
Pacientes já operadas e que voltam a ter perdas urinárias; podem ter o retorno das perdas urinárias devido à falha na técnica empregada, à não identificação adequada do diagnóstico das causas das perdas urinárias, ou à perda da eficácia dos mecanismos restauradores das forças uretrais, que deveriam ser reestabelecidos pela cirurgia realizada. Casos virgens operados pela técnica de Sling apresentam resultado de cura da ordem de 96 a 100% (Chaikin DC et cols. Pubovaginal fascial sling for all types of stress urinary incontinence: long-erm analysis. J Urol 160: 1312, 1998)(Khan FN et cols. An evaluation of use of trans-obturator Tape (TOT) Sling procedure in the current surgical management of female stress urinary incontinence.J Health Sci 2:11, 2008).
Entretanto, não se deve ficar desesperançoso, pois pacientes sem sucesso podem realizar uma nova cirurgia, com índice de sucesso bastante elevado – 60 a 91% (Stav S et cols. Repeat synthetic mid urethral sling procedure for women with recurrent stress urinary incontinence. J Urol. 183: 241-6, 2010) (Tvisian A et cols. Redo midurethral synthetic sling for female stress urinary incontinence. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 18: 23, 2007).
Neste pormenor, a decisão por qual Sling se realizar (Retro-púbico ou Trans-obturador) deve ser feita após avaliação médica precisa e pormenorizada, que permita a identificação das causas do insucesso.
Complicações Cirúrgicas
Embora seja uma cirurgia minimamente invasiva, a cirurgia de Sling ainda traz consigo os mesmos riscos cirúrgicos inerentes a qualquer cirurgia. Desta feita, não se deve menosprezar os riscos cirúrgicos por se tratar de cirurgia em que a recuperação é rápida e as incisões cirúrgicas muito pequenas, realizadas quase que por punção; o que se traduz na denominação de “minimamente invasiva”.
Deve-se ter em mente, que o conhecimento da anatomia pélvica deve ser profundo e de amplo entendimento tri-dimensional, uma vez que, ao contrário das técnicas cirúrgicas abertas e convencionais; as estruturas não são visualizadas diretamente, pois a cirurgia não é realizada por observação direta, devendo o cirurgião conhecer exatamente o trajeto de estruturas nobres, tais como nervos, vasos sanguíneos; além dos outros órgãos pélvicos, vizinhos à bexiga e uretra.
Uma das complicações mais temíveis da cirurgia de Sling é a tensão excessiva dada ao Sling, no momento de sua colocação.
O processo de inserção da faixa é capital para que se reestabeleça as pressões dentro da uretra, restaurando a capacidade perdida da bexiga em conter a urina, nas situações de tosse, espirro ou esforços abdominais. Se esta tensão for excessiva; impedindo a urina de e esvaziar adequadamente, a bexiga pode funcionar mau, trazendo problemas clínicos, que se manifestam com infecções urinárias de repetição, urgência miccional instalada ou agravada após a cirurgia; ou mesmo dificuldade para urinar, com sensação de micção incompleta e aumento da frequência das micções; especialmente à noite (Latthe PM. Review of transobturator and retropubic tape procedures for stress urinary incontinence. Curr Opin Obstet Gynecol 20:331, 2008) (Kristensen I et cols. Complications of the tension-free vaginal tape procedure for stress urinary incontinence. Int Urogynecol J 21:1353, 2010).
Nesta situação, onde a tensão do Sling sob a uretra, impede a saída confortável e fácil da urina, o Sling deve ser retirado, afrouxado ou reajustado; o mais breve possível, sob custa de promover grave alteração no funcionamento da musculatura vesical, que pode se tornar progressivamente mais severa e irreversível.
Retenção urinária (dificuldade extrema ou total incapacidade de urinar) após a colocação do Sling, frequentemente expressam que a faixa de contenção uretral talvez esteja excessivamente tensionada, exigindo reoperação que permita sua liberação (Leng WW, Chancellor MN. When to consider urethrolysis after sling Curr Urol Rep 5(4): 241, 2004).
Outras complicações associadas às cirurgias de Sling incluem perfurações dos órgãos vizinhos (bexiga, uretra, artérias e veias pélvicas), que são muito infrequentes (quase inexistente), se grande atenção for dada aos parâmetros anatômicos pélvicos e à estrita adesão à boa técnica cirúrgica. Neste pormenor, a realização de uretrocistoscopia intra-operatória, ainda que não seja realizada por muitos cirurgiões, constitui-se em importante etapa para se reconhecer quaisquer falhas ou perfurações durante o correto posicionamento do Sling.
Embora também infrequente, a exposição da tela, pode ocorrer em 0.1 a 2% dos casos (Nilsson CG et cols. Eleven years prospective follow-up of the tension-free vaginal tape procedure for treatment of stress urinary incontinence. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 19:1043–1047, 2008).Embora mais tardia e rara, a erosão da malha através da mucosa vaginal, só pode ser percebida através de exame clínico periódico, exigindo que a paciente faça retornos médicos regulares. Entretanto, quando ocorre, frequentemente também exige reparo através de superposição de mucosa saudável.
Pacientes Idosas (> 65 anos de idade)
As mulheres mais idosas (> 65 anos) são exatamente aquelas que apresentam prevalência de perdas urinárias, mas temem realizarem a cirurgia por temerem que os resultados sejam inferiores aos das pacientes mais jovens.
Pensando nisto, vários estudos foram realizados para se compararem os resultados da cirurgia para o tratamento da incontinênica urinária com em mulheres mais idosas e mais jovens. > ou < de 70 anos).
No estudo de Serati et cols. (Serati M et cols. Transobturator vaginal tape for the treatment of stress urinary incontinence in elderly women without concomitant pelvic organ prolapse: is it effective and safe? Eur J Obstet Gynecol 166: 107, 2013) com 181 mulheres, não se observou diferença nos resultados de cura da incontinência entre as mulheres que apresentavam mais ou menos que 70 anos, observando-se sucesso de 92.5% de cura, quando se realizou Sling tran-obturador.
Similarmente, Sung et cols. (Sung VW et cols. Patient-reported outcomes after combined surgery for pelvic floor disorders in older compared to younger women. Am J Obstet Gynecol 201. 534, 2009) observaram que pacientes mais idosas também apresentaram expressiva melhora na qualidade de vida, quando além da cirurgia para incontinência urinária, realizaram também cirurgia para corrigir prolapso gênito-urinário associado.
Tempo de Hospitalização
Um dos grandes avanços e vantagens da cirurgia de Sling é seu curto período de internação.
Embora o tempo de hospitalização varie entre os cirurgiões, devido à práticas individuais, frequentemente a paciente deixa o hospital após retomar sua micção espontânea.
Em nossa experiência o tempo de hospitalização é menor que 24 h.
Análise de Longo-prazo (Sucesso ao longo do Tempo)
Muitos trabalhos científicos têm sido publicados constatando que as técnicas de Sling são eficazes e efetivas para o tratamento da incontinência urinária na mulher com índices de sucesso de 85 a 100% (Ulmsten U et cols. A multicenter study of tension-free vaginal tape (TVT) for surgical treatment of stress urinary incontinence. Int Urogynecol J 9:210, 1998)(Olsson I et cols. A three-year postoperative evaluation of tension-free vaginal tape. Gynecol Obstet Invest 48:267,1999).
Ao contrário das técnicas cirúrgicas convencionais não-Sling não existe uma diminuição da eficácia ao longo do tempo, representando uma grande vantagem sobre as demais outras técnicas, que apresentam declínio da eficácia no tratamento da incontinência com o passar do tempo.
Estudos com 5 anos (Nilsson CG et cols. Long-term Results of the Tension-Free Vaginal Tape (TVT) Procedure for Surgical Treatment of Female Stress Urinary Incontinence. Int Urogynecol J Suppl 2:S5,2001) e 10 anos de seguimento (Groutz A et cols. Ten-year subjective outcome results of the retropubic tension-free vaginal tape for treatment of stress urinary incontinence. J Minim Invasive Gynecol 18: 726, 2011) comprovam que a cirurgia de Sling mantém seu resultado de sucesso de maneira sustentada, provendo cura das perdas urinárias.
Deve-se ainda ressaltar mais uma vez, que o fato de a cirurgia ser feita, por profissional qualificado; já na primeira vez; pois a primeira cirurgia bem feita proporciona os melhores resultados, não sendo no entanto verdade, se a cirurgia é realizada para corrigir um insucesso inicial – casos de falha (Chaikin DG te cols. Pubovaginal fascial sling for all types of stress urinary incontinence: long-term analysis.J Urol 160: 1312, 1998).