por Dr. Paulo Rodrigues
Introdução
A Toxina Botulínica (Botox) é uma substância neuro-tóxica produzida pela bactéria “Clostridium botulinum”, que age inibindo a liberação de acetil-colina e de outras susbstâncias na junção pré-sináptica; evitando assim, a neuro-transmissão (comunicação) entre neurônios; e consequentemente, bloqueando a contração do músculo inervado por aquele nervo.
A utilização da Toxina Botulínica (Botox) vem sendo aplicada no trato urinário há algum tempo com excelente sucesso, mas só recentemente ganhou ampla aceitação, em virtude de inúmeros estudos científicos, que confirmaram largamente as primeiras impressões.
Inicialmente utilizada exclusivamente em casos de bexiga neurogênica decorrentes de paraplegia (Trauma Medular), logo se verificou que os resultados poderiam ser também facilmente transferidos para os casos de Bexiga Hiperativa, resistentes ou não-responsivos ao tratamento medicamentoso, ou para pacientes, que desejassem um tratamento definitivo, com resultados robustamente mais sustentados, evitando assim o uso diário de medicamentos para o controle da frequência aumentada de micção, ou de perdas involuntárias de urina.
Utilização na Bexiga
A capacidade da Toxina Botulínica (Botox) alterar o funcionamento das terminações nervosas musculares encontrou ampla utilização para casos de Bexiga Hiperativa, Cistite Intersticial e Cistite Actínica; assim como para outros casos de disfunções miccionais, tais como hiperplasia benigna da próstata e dissinergias vésico-esfincterianas de diversas origens.
Como sua ação pode ser controlada, a injeção localizada e seletiva produz bloqueio muscular específico e desejado, sem afetar outros órgãos, ou a musculatura de órgãos vizinhos. Como o bloqueio não é apenas dos músculos, mas também das vias sensitivas, sua utilização pode inclusive ser aplicada em casos de bexiga dolorosa ou espástica, em que o descontrole do funcionamento da bexiga é mais caracterizada por dor supra-púbica, genital ou perineal.
O tempo este efeito é variável de pessoa para pessoa, mas em se tratando de disfunções miccionais, a reordenação neuronal obtida no período de ação da Toxina Botulínica (Botox) – em média de 9 a 26 meses de ação; pode redesenhar os processos neurológicos, para um caminho mais fisiológico, havendo casos em que uma única aplicação reverte definitivamente o processo disfuncional.
Em estudo recente, com 195 pacientes com contrações detrusoras neurogênicas, 83% dos casos tiveram resultados satisfatórios com mais do que 50% na reducão dos episódios de perdas urinárias involuntárias.
A resposta obtida se manteve ou melhorou, em eventuais repetições da aplicação da Toxina Botulínica. Curiosamente, nos casos em que a primeira aplicação produziu redução menor do que 50% dos episódios de perdas urinárias involuntárias, as subsequentes reaplicações de Toxina Botulínica melhoraram o índice de perdas urinárias, significando que alguns casos que respondem pobremente na primeira aplicação, podem ter um resultado melhor em aplicações subsequentes.
Nos casos que responderam com cura total (100% de eliminação) das perdas urinárias involuntárias na primeira aplicação (cerca de 65% do total de casos), eventuais reaplicações mostraram que a resposta inicial era readquirida, mostrando que a repetição da aplicação, não reduz o resultado ou cria resistência à Toxina Botulínica (Denys P et cols. Positive outcomes with first onabotulinumtoxinA treatment persist in the long term with repeat treatments in patients with neurogenic detrusor overactivity Int BJU 119:926, 2017).
Em estudo comparativo com mulheres com Bexiga Hiperativa que apresentavam sinais claros de urgência e urge-incontinência miccional, a aplicação de Toxina Botulínica produziu resultados expressivos no controle dos sintomas urinários, assim com no número de “escapes” involuntários de urina (Tincello DG et cols. Botulinum Toxin A versus placebo for refractory detrusor overactivity in women: A randomised blinded Placebo-controlled trial of 240 women (the Relax Study). Eur Urol 62: 507, 2012).
A aplicação de Toxina Botulínica em musculatura estriada, promove um mecanismo de defesa neste tipo de musculatura, que faz com que a proliferação de novas terminações nervosas seja rápida e substitutiva, mas na bexiga ela é limitada – pois a bexiga tem musculatura lisa, explicando porquê alguns casos podem apresentar respostas mais duradoras, ou mesmo definitivas após uma única aplicação (Comperat E et cols. Histologic features in the urinary bladder wall affected from neurogenic overactivity – A comparison of inflammation, edema and fibrosis with and without injection of botulinum toxin type A. Eur Urol 50:1058, 2006).
O efeito imediato é o aumento da capacidade de armazenamento urinário da bexiga, melhor controle voluntário do desejo de urinar, resultando na diminuição dos episódios de perdas urinárias ou urge-incontinência.
Adicionalmente, pacientes com “Cistite Intersticial” ou Síndrome da Bexiga Dolorosa, experimentam alívio da dor e do número de vezes que necessitam ir ao banheiro, pela instalação do efeito de bloquear os espasmos e diminuir a sensibilidade vesical.
A impressionante melhora clínica já foi relatada em vários estudos placebo-controlados, o que certifica um nível de evidência de eficácia para o uso de Toxina Botulìnica muito consistente (Tincello DG et cols. Botulinum Toxin A versus placebo for refractory detrusor overactivity in women: A randomised blinded Placebo-controlled trial of 240 women (the Relax Study). Eur Urol 62: 507, 2012).
Modo de Aplicação
A forma como se faz a aplicação da Toxina Botulínica parece ter papel relevante nos resultados clínicos, uma vez que se verificou alguma variação nos índices de sucesso relatados pelos diferentes autores médicos.
Assim, parece que a experiência nas aplicações, colocando a medicação na zona sub-urotelial, garante melhores e mais duradouros resultados, promovendo aumento da capacidade vesical e melhora da dor.
Benefícios da Aplicação de Toxina Botulínica (Botox) no Tratamento da “Cistite Intersticial”
A“Cistite Intersticial” ou “Síndrome da Bexiga Dolorosa”, assim como a Prostatite Crônica nos homens; são doenças debilitantes, caracterizadas pela conjunção do aumento extremo da frequência miccional, dor supra-púbica quando a bexiga está se enchendo ou tem apenas um pequeno volume; e sensação eminente da necessidade de urinar, que não pode ser postergada, trazendo frequentes embaraços sociais e pessoais, além da dor.
Os tratamentos correntes normalmente são decepcionantes e apresentam baixos índices de sucesso.
Ainda que a instilação intra-vesical de ácido hialurônico e DMSO sejam utilizados, associados ou não ao uso de amitriptilina e pentossan-polissulfato, os resultados não são duradouros ou certos.
Igualmente, a hidro-distensão continua sendo amplamente utilizada, pois de fato promove melhora temporária, apesar de poder causar efeito rebote, com piora subseqüente dos sintomas, em casos mais refratários.
Hoje se sabe que pacientes com “Cistite Intersticial” apresentam perda do epitélio vesical, o que expõe os terminais nervosos sub-uroteliais, a agentes inflamatórios, que secundariamente fazem o músculo detrusor (da bexiga) contrair espástica e involuntariamente, causando dor, necessidade frequente de urinar e aumento da freqüência de micção.
A aplicação de Toxina Botulínica (Botox) nestes casos bloqueia a comunicação dos terminais nervosos excessivamente ativados (“acesos”) e sensibilizados; dessensibilizando-os e permitindo à bexiga que a sensação de dor diminua.
Experiências com ratos revelam que a injeção de ácido-acético na bexiga causa grande inflamação, levando a bexiga a se contrair incessantemente, diminuindo seu tamanho, e aumentando tremendamente a frequência das micções. Entretanto, se os ratos são tratados previamente com Toxina Botulínica (Botox) antes de terem induzida a inflamação artificial da bexiga, a bexiga não se contrai, e toda a inflamação passa despercebida, mostrando o efeito protetor, e reversivo da Toxina Botulínica (Botox), nos casos de espasmos vesicais.
Benefícios da Aplicação de Toxina Botulínica (Botox) na Próstata
O crescimento constritivo da próstata em torno da uretra pode causar dificuldade miccional, que se acompanha de vários outros sintomas, tais como acordar diversas vezes à noite (noctúria), ter urgência para urinar (urgência), aumentar o número de vezes para urinar durante o dia (freqüência), ter sensação de micção incompleta, infecções urinárias, etc.
Como a percepção destes sintomas, assim como o grau de incômodo são veiculados pelo sistema nervoso, o bloqueio neuronal aferente e eferente promovido pela Toxina Botulínica (Botox), pode produzir expressiva melhora ou cura dos sintomas, numa nova fronteira para a aplicação da droga.
Há uma grande quantidade de nervos colinérgicos na próstata que conjuntamente também inervam a bexiga, e por isso problemas na próstata interferem diretamente no funcionamento vesical.
A aplicação de Toxina Botulínica (Botox) na glândula prostática produz apoptose (diminuição exacerbada do crescimento e morte celular) com resultante atrofia prostática e diminuição do tônus do esfíncter uretral, facilitando assim a micção.
Benefícios da Aplicação de Toxina Botulínica (Botox) no Esfíncter Uretral para Tratamento da Dissinergia Vésico-Esfincteriana ou Bexiga Hiperativa Secundária
O esvaziamento da bexiga se alicerça no princípio básico e fisiológico de que a bexiga, ao se contrair; faz uma pequena força de contração para se esvaziar porque a uretra se abre amplamente e simultaneamente.
No entanto, nem sempre este processo ocorre desta maneira.
Algumas pessoas não conseguem “relaxar” a uretra, pois têm descoordenação na abertura do esfíncter uretral; ou simplesmente o esfíncter não se relaxa, exigindo da bexiga uma contração muscular mais vigorosa, o que requer elevação da pressão dentro da bexiga, resultando em problemas no esvaziamento, além de outros sintomas miccionais.
Esta situação de ausência de relaxamento do esfíncter, no momento de se esvaziar a bexiga, chama-se Dissinergia Vésico-Esfincteriana (no caso de se tratar de paciente com Traumatismo Medular – paraplégico); ou pseudo-Dissinergia Vésico-Esfincteriana (no caso de não haver doença neurológica).
A aplicação de Toxina Botulínica (Botox) no esfíncter relaxa-o, diminuindo a indesejável resistência uretral; e por conseguinte, facilitando a micção, em casos de bexiga neurogênica-não-neurogênica ou dissinergia vésico-esfincteriana.
A alta taxa de sucesso deste recurso (ao redor de 85%, varia de 75 a 100%) promove alívio para uma condição onde os resultados de cura ou melhora não alcançavam 25%, tornando opção obrigatória para os casos graves, ou de falhas com tipos de tratamento (Cruz F et al: Efficacy and safety of onabotulinumtoxinA in patients with urinary incontinence due to neurogenic detrusor overactivity: a randomized, double‐blind, placebo‐controlled trial. Eur Urol 60: 742, 2011).
Alguns estudos médicos já demonstraram significativa diminuição da pressão vesical (antes: 56.5 ± 41.2 – após: 39.0 ± 32.1 cmH2O) e do resíduo pós-miccional (antes: 300 ± 189.1 – após: 50 ± 153.6 ml) após a aplicação da toxina no esfíncter e assolho pélvico.
Aplicação de Toxina Botulínica (Botox) na Bexiga Neurogênica por Trauma Medular
(“Paciente Paraplégico”)
A aplicação de Toxina Botulínica (Botox) no sistema urinário primeiramente adotada em 1980, com sua aplicação no esfíncter uretral de pacientes paraplégicos, numa tentativa de induzira a uma esfincterotomia química. Diminuindo o tônus na musculatura do esfíncter uretral, haveria uma facilidade da bexiga em se esvaziar, diminuindo a contração do músculo vesical, o resíduo pós-miccional, e aumentando a forca do jato urinário.
Posteriormente,Toxina Botulínica (Botox) foi estendida para o tratamento da Bexiga Neurogênica no Traumatizado Medular (paraplégico), que em virtude da interrupção dos nervos da medula espinhal, apresenta contrações involuntárias na bexiga, que levam à perdas urinárias não-programadas e indesejadas (Schurch B et cols: Botulinum-A toxin for treating detrusor hyperreflexia in spinal cord injured patients: A new alternative to anticholinergic drugs? Preliminary results. J Urol, 164:692, 2000).
Como a Toxina Botulínica (Botox) inibe a transmissão elétrica e química da junção neuro-muscular, outros efeitos sobre o funcionamento da bexiga também são observados:
- Evita a contratura involuntária da bexiga, que causa perdas urinárias involuntárias
- Aumenta a capacidade de armazenamento da bexiga
- Diminui ou bloqueia as reações autonômicas (chamadas de disrreflexia autonômica) das contrações involuntárias da bexiga, por efeito bloqueador neurogênico aferente, evitando espasmos musculares, aumento da pressão arterial e sudorese.
Duração do Efeito
Embora a Toxina Botulínica aja bloqueando a junção neuro-muscular, este efeito não é definitivo. Após um intervalo de tempo variável e individual para cada paciente, o bloqueio tende a desaparecer.
Nestas circunstâncias pode-se aplicar novamente a Toxina Botulínica (Botox) com resgate dos efeitos de melhora, como se fosse a primeira vez (Denys P et cols. Positive outcomes with first onabotulinumtoxinA treatment persist in the long term with repeat treatments in patients with neurogenic detrusor overactivity Int BJU 119:926, 2017).
Entretanto, nos casos de aplicação na bexiga, onde a musculatura envolvida é branca ou involuntária, muitos casos quando aplicados uma única vez, têm seu funcionamento permanentemente modificado, produzindo uma reorganização definitiva dos circuitos de funcionamento da bexiga, o que torna esta alternativa terapêutica muito atrativa.
Resultados do Tratamento
Pacientes com Bexiga Neurogênica decorrente de Traumatismo Medular apresentam vários problemas, tais como Infecções Urinárias de repetição, perdas urinárias involuntárias, espasmos supra-púbicos dolorosos, disrreflexia autonômica, entre outros.
Muitos, senão todos estes efeitos; são decorrentes da presença de espasmos da musculatura da bexiga, com consequente diminuição da capacidade de armazenamento urinário.
O uso de Toxina Botulínica, com a finalidade de bloquear os espasmos musculares e aumentar a capacidade de armazenamento, promove significativa melhora na qualidade de vida e melhora de cada um dos problemas.